80 ANOS DE PROFISSIONALISMO
Por Leandro Stein e Ubiratan Leal
Há exatos 80 anos, ser jogador de futebol se tornava profissão no
Brasil. O amistoso entre São Paulo da Floresta e Santos inaugurou uma nova era
no esporte do país. A goleada por 5 a 1 aplicada pelo time da capital e
simbólico primeiro gol anotado por Arthur Friedenreich ficaram em segundo plano
diante do marco que se estabeleceu em 12 de março de 1933.
Era a regulamentação de uma atividade que já movimentava bastante
dinheiro, mas que mantinha seus lucros longe dos atletas. As elites lutavam
pela manutenção do amadorismo, justificando que os jogadores de origem rica não
precisavam de remuneração. Contudo, a popularização do esporte, tanto nas
arquibancadas quanto dentro de campo, tornou a profissionalização uma
consequência do processo.
Um primeiro sinal de abertura veio dez anos antes, quando o Vasco
conquistou o Campeonato Carioca de 1923 com uma equipe composta por negros e
operários. A quebra de uma barreira em um esporte considerado de elite e que,
por isso mesmo, causou uma cisão liderada pelos clubes da zona sul. A
recém-criada Amea (Associação Metropolitana de Esportes Athleticos) excluía
trabalhadores braçais, analfabetos e desempregados de suas competições.
Ainda que ilegal, a prática do “profissionalismo marrom” tornou-se
comum durante a década de 1920, garantindo o pagamento de gratificações aos
jogadores vindos de classes populares. Os times ligados a fábricas cresciam,
com os operários desfrutando de benefícios no emprego e recebendo os “bichos”
em troca de vitórias.
Além disso, o profissionalismo legalizado na Argentina, no Uruguai e em
países da Europa passou a atrair os principais talentos do futebol brasileiro.
Leônidas da Silva, Domingos da Guia e Fausto foram os maiores expoentes da
legião que debandou.
Essa vontade foi reforçada pelo discurso de Amilcar Barbuy, que passou
por Corinthians e Palestra Itália antes de rumar à Lazio: “Cansei de ser amador
no futebol onde essa condição há muito deixou de existir, maculada pelo regime
hipócrita da gorjeta que dão aos seus jogadores, reservando-se para si o grosso
das rendas. Os clubes enriqueceram e eu não tenho nada, sou um pária do futebol”,
declarou, em depoimento a Floriano Correa no livro “Grandezas e misérias do
nosso futebol”.
A eclosão do profissionalismo viria em janeiro de 1933, quando América,
Bangu, Fluminense e Vasco criaram a Liga Carioca de Football (LCF), primeira
organização profissional do futebol brasileiro. A atitude repercutiu em São
Paulo, onde o debate do assunto já havia causado um racha na década anterior,
mesmo que sem a alteração da situação dos jogadores.
Temendo a ida de seus atletas ao Rio de Janeiro, a Apea (Associação
Paulista de Esportes Atléticos) alterou seus estatutos e seus sete clubes
fundadores se profissionalizaram: Corinthians, Palestra Itália, Portuguesa, São
Bento (da capital), São Paulo da Floresta e Ypiranga. Coube, então, a santistas
e são-paulinos inaugurarem a nova era.
Na esteira do processo, LCF e Apea criaram o Torneio Rio-São Paulo, bem
como a Federação Brasileira de Futebol. A adoção do profissionalismo trouxe a
simpatia da Fifa, mas não da Confederação Brasileira de Desportos, que se
manteve contrária as mudanças. Apenas em 1937 é que a entidade cederia às
pressões, formalizando sua entrada no profissionalismo.
Profissional mesmo?
Oitenta anos depois da revolução, no entanto, fica difícil afirmar que
o profissionalismo está totalmente enraizado no futebol brasileiro. As
disparidades são imensas entre os jogadores dos grandes clubes e o restante dos
futebolistas do país. Enquanto poucos ganham milhões, a maioria sofre com as
faltas de condições no trabalho.
O desemprego não é incomum na profissão, como demonstra a excelente
reportagem feita pelo Menon à Revista ESPN. Para tentar se desvencilhar de tal
situação, alguns buscam outros empregos como ganho de vida. E, neste ponto,
também cabe a discussão da falta de plano pessoal para quem tenta essa
carreira. A estrutura do futebol não contempla a formação educacional do atleta
ainda jovem, e ele é jogado à sorte se ficar sem contrato por algum tempo.
Outro problema é que o Brasil finge sustentar um futebol profissional,
mas sustenta um calendário em que mais da metade dos times não tem certeza de
que terá atividade – e, consequentemente, faturamento – o ano todo. Desse modo,
mais da metade dos atletas profissionais tem emprego garantido por apenas
quatro a seis meses por ano. Qualquer pessoa que fizer as contas perceberá que
não é possível viver do futebol nesse cenário.
Essas coisas acontecem porque não é apenas na vida do atleta de clube
pequeno que o profissionalismo é um conceito distante. O futebol brasileiro que
se profissionalizou há 80 anos permaneceu muito parecido até poucos anos atrás.
Foi preciso o fim da Lei do Passe e a necessidade de aumentar o faturamento que
levou os grandes clubes a melhorarem suas estruturas diretivas.
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